Rua dos Mercadores
"[...]. Belém,
naquele tempo, se expandia vagarosamente. Da clareira da Matriz de N. S. da
Graça, becos, ruelas, veredas, trilhas marginavam paralelas ao rio; outras
penetravam à mata, abriam caminhos normais ao litoral. Surgiam as primeiras
ruas como setas de uma estrela nas quatro direções da urbe que dava seus passos
iniciais. Uma descida do “largo” procuraria vencer o pirizal em demanda da
outra margem permitindo, ao colonizador, atingir o caminho certo que o levaria
ao convento dos Capuchos de Santo Antônio, situado nos confins da cidade, ou o
da praia que terminava nas instalações humildes dos Mercedários. Era a avançada
para as terras da Campina que, desde cedo, encantaria aos heróis de nossa
formação.
Saindo da “cidade”
propriamente dita, necessariamente, ter-se-ia que vencer a baixada na foz do
Piri, transpondo-a pelas palafitas de uma ponte improvisada, lateralmente
solta, presa às amarras de tronqueiras e cipós que constituíam sua estrutura
empírica, garantindo sua segurança e a dos moradores. Da calçada do Colégio o
rumo era um só: atravessar essa “pinguela” indígena, penetrar nos caminhos dos
frades que acompanhavam os tijucais da margem mole do rio desde a casa do “Ver-o-Peso”
as tendas humílimas dos Mercedários e daí seguir, subindo, à Misericórdia, para
vislumbrar, distante o velho hospício dos Capuchos onde eles viviam à sombra de
suas taipas brancas e acolhedoras.
Exatamente, dessa
entrada à margem do igarapé do Piri, entre o “Ver-o-Peso” e as “Mercês”, o
povo, na sua sublime simplicidade e inspiração,
naquela época recuada de nossa história, fixada com absoluta autenticidade o
nome, a denominação da artéria que nascia: a Rua dos Mercadores!
A partir da metade
do século XVIII, tornar-se-ia, Rua da Cadeia, em razão da construção do novo
prédio para a casa, da Câmara e Cadeia, quando, a voz popular, logo a batizaria
com essa designação. Hoje, é a tão querida e mais importante rua do comércio de
Belém, em todos os sentidos de seu gênero a atual rua do Conselheiro João
Alfredo – ou qualquer outra designação que se lhe queira atribuir – ela o será
na sua paisagem secular e no seu espírito urbano a velha e intangível Rua dos
Mercadores, a mesma que os nossos
antepassados edificaram do nada. Agora e sempre, em cada lajedo de
cantaria, em cada esquina solitária, em cada arcada centenária, mercadeja-se
como nos primeiros tempos. [...]".
Augusto Meira Filho
Contribuição à história de Belém. 1973, p. 186-187.
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