Viajantes: Tocandira


Segundo Ariosto Espinheira em Viagem através do Brasil v. 1, Norte, "a tocandira é uma enorme formiga amazônica, cuja picada produz efeitos terríveis. Pela sua cor, confunde-se com os galhos e folhas caídas. Quem for picado por ela sofre dores cruéis, como se fosse atingido por uma aranha peçonhenta.
Em muitas tribos, os jovens índios, que queriam ser considerados guerreiros, eram experimentados, numa prova de resistência física pelas picadas da tocandira.
Os seringueiros acreditam que, ao morrer a tocandira dá origem ao chamado cipó-imbé, muito usado na construção de casas, pontes e cercas. O que parece certo é que a formiga leva para o formigueiro sementes desse cipó. As sementes germinam nos locais onde encontram formigueiros".
 
Em seguida o relato do botânico inglês Richard Spruce sobre sua experiência com a formiga tocandira:
 
"Ontem tive pela primeira vez o prazer de experimentar a ferroada de um grande formiga preta que, na língua geral, é chamada de tocandira. [...]. Depois do desjejum, fui herborizar numa capoeira a norte de San Carlos, onde havia muitos tocos e troncos caídos. Abaixei-me junto a um toco para colher musgos do gênero Fissidens, mal notando que, ao retirar as plantas, tinha deixado exposto um buraco na madeira podre. Aí, quando me levantei e fui colocar o musgo dentro do meu embornal, não reparei que uma fieira de tocandiras enfezadas emergia o tal buraco. Não demorou um segundo, e eu já tinha recebido uma violenta ferroada na coxa, tão forte que imaginei tratar-se de picada de cobra. Ergui-me num salto, e então pude ver meus pés e pernas estavam sendo tomados por aquelas terríveis formigas! A única saída era fugir em disparada, e foi o que fiz, tentando me esfregar contra todos os ramos e galhos pelo caminho, até finalmente me ver livre das tocandiras, mas não antes de se impiedosamente ferroado por elas em torno dos pés, pois eu estava com o calcanhar desprotegido, calçando apenas chinelos, e mesmo estes acabei perdendo durante a fuga...
Eu me encontrava então a pouco mais de cinco minutos de minha casa, pois já estava voltando quando ocorreu o desastre. Bem que eu queria caminhar rapidamente, mas não consegui. A dor era lancinante! Fiz das tripas coração para não me arrojar sobre o solo e rolar, como já havia visto os índios fazendo quando ferroados por essa formiga.
Em meu caminho, eu tinha de atravessar uma faixa de areia escaldante e depois uma lagoa parcialmente seca, na qual a água não chegava a mais que 2 pés [61cm] de profundidade. Imaginei que o contato com a água fosse aliviar a dor.
Quando por fim cheguei a casa imediatamente recorri ao amoníaco. A única pessoa que encontrei por perto foi a minha cozinheira índia, que, por sua conta e risco, me aplicou um torniquete bem forte acima dos tornozelos, esfregando depois o amoníaco nas picadas. Como a dor não aplacasse, pedi-lhe que esfregasse uma mistura de óleo e amoníaco, providência que também pareceu não surtir efeito algum, a não ser quando o óleo começou a esquentar. mesmo assim, o alívio produzido foi bem pequeno. O curioso foi que aos poucos se reduziu a dor dos ferimentos menos esfregados, e um deles que sequer tinha sido tocado foi o primeiro a parar de doer completamente!
Deviam ser umas duas horas da tarde quando fui atacado pelas formigas, e só comecei a sentir algum alívio cerca de três horas depois. Durante todo esse tempo, meu sofrimento foi indescritível, algo assim como o que teria sido provocado por cem mil queimaduras de urtiga... meus pés, e às vezes até mesmo minhas mãos, tremiam como se eu sofresse de paralisia. Em determinados momentos, a dor recrudescia tanto, que meu rosto ficava empapado de suor. [...].
Depois que a dor se tornou suportável, ela voltou a ficar aguda em duas ocasiões: ás 9 da noite e à meia-noite, quando deixei a rede e pisei no chão com o pé esquerdo, o que me provocou uma hora seguida de sofrimento atroz. Ao se aproximar a manhã, adormeci, e quando acordei não senti outro desconforto que não fosse uma ligeira dormência nos pés, mas o inchaço se manteve ainda durante umas trinta horas. [...]". Richard Spruce. Notas de um botânico na Amazônia. 2006, p. 258-259.
 
Richard Spruce
(1817-1893)
 
 
 
Para saber mais sobre a formiga Tocandira leia: Amazônia Exótica: curiosidades da floresta.
 
 
 
 
 
 
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 


 
 


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