Viajantes: Tempestade no Furo de Breves.
"[...]. No meio da noite fui acordado por um inesperado sacudir da minha rede. Pus-me de pé imediatamente, mas mal toquei o chão ele pareceu escorregar debaixo de mim; cambaleando como um bêbado caí sobre uma camada de sementes de cacau. A pilha de sacos havia caído sem que eu tivesse percebido e alguns haviam despejado o seu conteúdo pelo chão. Por um momento pensei estar sonhando, mas uma dor forte no braço direito deu-me a certeza de que estava acordado. Enquanto rastejava rumo à porta escutei um ruído confuso de vozes, ao mesmo tempo que a cobertura da cabine rangia debaixo de passos apressados. Para aumentar o terror do momento, a chalupa rodopiava de estibordo a bombordo, e a proporção que o movimento me atirava contra os sacos de cacau, eles rolavam sobre mim tentando esmagar-me contra a parede. Eu me sentia na constrangedora situação de um rato sendo golpeado e atirado de um lado para o outro rumo a uma ratoeira. [...].
Estávamos no meio de uma assustadora tempestade. A norte, a leste e a sul os céus descerravam visões fantásticas pela sucessão rápida de raios e relâmpagos. Parecia que uma dúzia de vulcões flamejavam ao mesmo tempo. Nem os relâmpagos crepitantes da Patagônia, nem as luzes ofuscantes de uma tempestade nos Andes comparavam-se em brilho aos losangos de fogo que se cruzavam ao nosso redor. Um vento implacável sacudia as árvores nas duas margens do rio. A água do canal, tão calma ao pôr do sol, estava agora selvagemente agitada e parecia leite fervente. A chalupa, de velas amainadas, voava mais do que navegava sobre a água espumante, com seus mastros esqueléticos e o seu cordame erguendo-se negro contra o céu brilhante como uma fornalha, parecia um daqueles veleiros fantasmas que cruzam com a rapidez de uma flecha os mares brumosos de histórias legendárias. Os tapuias, agarrados ao abrigo da chalupa, pareciam ter perdido a cabeça. Só o piloto mantinha o sangue frio; segurando firmemente o leme com as duas mãos, ele obrigava a chalupa a seguir a direção do canal que os clarões mantinham visível.
Essa corrida desordenada e furiosa no meio da noite negra, com os elementos da natureza em luta desenfreada, tinha uma grandeza e uma poesia que excitavam as minhas faculdades e me deixavam indiferente aos perigos. Sentado na escotilha para desfrutar à vontade do espetáculo que o acaso me fazia presenciar, eu admirava com sincero entusiasmo o alternar-se da escuridão mais completa e a luz intensa em breve intervalos. [...].
Se o piloto e seus homens esqueceram rapidamente a noite pavorosa que havíamos passado no Estreito de Breves, para mim foi diferente. A confiança que eu depositara nas suas águas calmas - confiança que eles haviam tão indignamente desafiado - justificou minha irritação para com eles. Desde então eu não só perdi a fé na infalibilidade dos provérbios, em que até então acreditava, como cheguei a duvidar de todas as aparências. Havia aprendido às minhas custas que a água é o elemento que mais deve ser temido".
Paul Marcoy (1815-1888). Viagem pelo Rio Amazonas. 2001, p. 256-259.
Le Tour du Monde.
Voyage de L´Océan Pacifique a L´Océan Atlantique a Travers L´Amerique du Sud. 1848-1860.
Comentários
Postar um comentário