Praça da Concórdia




"[...]. Uma trilha que tomei ao acaso levou-me às margens de um bosque em que belas árvores agrupadas de forma irregular, mas pitoresca davam acesso a umas alamedas naturais. Olhando entre as folhagens a vista se perdia numa bruma azulada cortada por raios dourados de luz. O lugar era encantador porque solitário. Nenhum ser humano perturbava a meditação. Os únicos seres vivos que vi foram cobras de várias cores que cruzaram devagar o meu caminho. Havia caminhado uns dez minutos nesse dédalo de árvores quando alguma coisa, à distância, atraiu a minha atenção. Não demorei em distinguir uma figura geométrica que logo se revelou uma pirâmide. Uma pirâmide nesse lugar! A coisa parecia prodigiosa. Corri para lá com toda a velocidade de que minhas pernas eram capazes.
Era sem dúvida uma pirâmide, um corpo sólido formado de quatro triângulos cujas bases formavam um quadrado e cujos vértices se uniam no alto. Examinando-a de perto descobri que era feita de madeira, rebocada de branco e apoiada sobre três degraus de pedra. Com a descoberta, a luz se fez na minha mente, e como Arquimedes de Siracusa exclamei – Eureka, eu encontrei! Três ou quatro anos antes, quando tivera o privilégio de pesquisar na biblioteca de Lima, caíra em minhas mãos uma História do Pará na qual eu lera que em 1782 o vigésimo terceiro governador da Província, um certo senhor José de Nápoles Tello de Menezes, havia erigido, fora da cidade e Santa Maria de Belém, exatamente no limite entre o Largo da Pólvora e o Paço de Nazaré, um obelisco de madeira de quatro faces sobre degraus de pedra, para comemorar um ato de conciliação puramente local  e insignificante. A legenda Concordia bonae fides et felicitati publicae, inscrita por ordem daquele funcionário numa das faces do obelisco, explicava aos transeuntes capazes de ler latim o significado do evento que ela comemorava.
Como a cidade de Belém, que eu havia explorado em todas as direções, não tinha nada parecido com um obelisco a não ser duas piramidezinhas esguias no frontão da sua catedral, a minha descoberta, numa alameda nos arredores da cidade, de um monumento que coincidia em material e estilo com a pirâmide atribuída ao finado José de Nápoles, não me deixou dúvida quanto à sua identidade. O único ponto que daria margem a debates entre arqueólogos, a ausência da pacífica legenda, encontrava explicação suficiente no vandalismo de modernidade, que havia encoberto a legenda com uma camada de reboco. Sentei-me nos degraus do monumento que testemunhara um fato memorável e fumei um cigarro. Depois, dando as costas à pirâmide, encaminhei-me para o norte. [...]". Paul Marcoy (1815-1888). Viagem pelo rio Amazonas. 2001, p. 295-296.
 
 
 
Praça da Concórdia, A Memória, no caminho da estrada do Utinga, depois Nazareth.
Augusto Meira Filho. Evolução histórica. 1976.
 

 

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