As Saracuras


"As saracuras dão muita vida aos juncais e moitas de mangue das nossas praias daqui, às regiões baixas e pantanosas das embocaduras dos rios, às matas que bordam os ribeiros, às margens dos lagos e às úmidas campinas do interior. São aves extraordinariamente ativas, que vagueiam o dia inteiro e por assim dizer não descansam um segundo. Quem quiser observa-las nessa faina, deve procurar de preferência o romper d´alva, colocando-se em lugar protegido e conservando-se aí quieto. Não tardará a aparecer uma, depois outra, espiando cauta e desconfiadamente em volta, de cabeça erguida, na qual apresentam esplêndido aspecto os olhos ornados de íris cor de sangue. Se acham tudo em ordem e não reconhecem perigo, começam então a mover-se mais livre e despreocupadamente. Ora caminha ela vagarosa, agitando frequentemente a curta cauda, ora precipita-se rápida para um ponto onde avista alimento.
Às vezes solta um rosnado de satisfação que parte do mais fundo do peito e se pode comparar ao som que produz uma corda grossa, inferior de um baixão posta em vibração. [...].
[...]. Daí a pouco percebe-se também segunda Saracura, depois terceira, e no meio de alegres folguedos, em que, comicamente azafamados, correm umas após outras e vão à cata de alimentação, levam as primeiras horas da manhã, e rápido passa o observador o tempo a contemplar essa cena, que talvez pelo inverno lhe faça esquece o frio úmido nos pés.
De manhã e de tarde exibem de preferência o canto, que consiste num forte e duradouro "ko-ki, ko-ki" etc., ora produzido a uma voz, ora em coro, e que de vez em quando é interrompido por um baixo e profundo "gó-gó-gó".
Enquanto uma ou duas cantam, as outras correm para um e outro lado, e muitas vezes observei que outra ao mesmo tempo intrometia aquele som rosnado, como que fazendo-se baixo na orquestra. Tudo isso faz-nos a impressão de um divertimento de dança e canto executado segundo plano unitário, e no qual cada membro presente desempenha o seu papel
Às vezes também gritam durante o correr do dia, e que é tido como prenúncio de chuva. O fato é que pelo tempo de chuva se fazem ouvir com mais frequência". Emílio A. Goeldi (1859-1917). As aves do Brasil. 1893, p. 451-452.
 
 
Saracuras (Fig. 6) à direita
 Desenho de Ernst Lohse (1873-1930) - Detalhe.
Álbum de Aves Amazônicas - 1900-1906.
Acervo da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna - Museu Goeldi


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