As ilhas flutuantes

         Quisera ter palavras para transmitir-lhes estas maravilhas, tão ao vivo, como as sinto recordando-as neste momento.

        As árvores que ora descem levadas pela correnteza, quase imperceptível, tombaram com o barranco roído pela enchente do ano anterior. Algumas, ficaram ainda com parte das raízes presas à gleba, e outras, pela densidade do seu lenho ainda verde, foram ao fundo. No verão, voltando as águas ao seu álveo, ficaram ao sol e secaram. Quando de novo a fúria da enchente foi varrendo os barrancos, levou-as de roldão. E a grandiosa sumaumeira, o miritizeiro frondoso, a balateira majestosa, o castanheiro ereto e sobranceiro, e o mulateiro bronzeado, deixam o lugar onde permaneceram por dezenas ou centenas de anos, para a viagem vagabunda e incerta. Mas nem sempre se perdem nas águas do rio-mar. Numa volta, já quando se inicia a vazante, encalha a fronde desfolhada em um baixio de areia e para. A ela, juntam-se outras menores, as imbaúbas leves, e as ilhas de canaranas, camalotes e galhadas, cimentam o conjunto, provocando a decantação da vasa, formando os alicerces da nova ilha em vias de formação, cuja certidão de idade, é anotada pelos práticos e pilotos. Ainda é pequena, mas a luxuriante vegetação viçou, as ouranas lançaram suas profundas raízes, como que ancorando a nova terra. E se nas duas ou três próximas enchentes não subirem muito as águas, novas árvores virão encalhar, e camadas de lama e areia, consolidarão a ínsula. E as árvores crescerão, a floresta  cobrirá toda a sua superfície. Se os movimentos telúricos no fundo do rio não modificarem o seu talvegue, lançando contra ela a força da correnteza, será definitiva, ou pelo menos durará muitos anos, se os fenômenos aludidos se não realizarem, tal como tem acontecido a outras, que desaparecem lentamente, e de cuja formação ninguém se lembra.

FONTE:

BARROS JUNIOR, Francisco de. Caçando e pescando por todo o Brasil. 4a Série: Norte - Nordeste - Marajó - Grandes Lagos - O Madeira - O Mamoré. São Paulo: Melhoramentos, [1948?]. p. 250-251.


Sumaumeira (Ceiba pentandra)
Panhuys, L. von. Watercolours of Surinam (1811-1824).
www.plantillustrations.org


Comentários

  1. Que bela descrição da formação de ilhas flutuantes! Parabéns. Adquiri recentemente seu livro "Amazônia exótica: curiosidades da floresta" Vol. 2. Estou me deliciando com os verbetes e as ilustrações. Gostaria de saber como adquirir o Vol.1.

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    1. Olá Izaura, agradeço sua visita ao Blog e ao comentário sobre o post. Fico bastante contente que você tenha gostado do livro Amazônia Exótica. O v. 1 você pode adquirir comigo através do WhatsApp (91)98151-5278. Caso você more fora de Belém, envarei via Correios. Um abraço!

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