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Zarabatana

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"Certo dia, o índio em cuja casa eu me encontrava resolveu ir à floresta em busca de tubos para suas zarabatanas. Decidi acompanhá-lo. Seguimos por cerca de uma milha, até um local onde cresciam diversas palmeirinhas da espécie Iriartea setigera (Martius), de 10 a 15 pés de altura, cuja espessura variava de um dedo a duas polegadas de diâmetro. Em virtude das marcas deixadas pelas folhas que caíam, elas davam a impressão de possuir gomos. Dentro, porém, havia uma tenra medula que, quando extraída deixava ver uma cavidade ininterrupta, lisa e polida. Meu companheiro selecionou algumas das mais retilíneas que encontrou, de todos os diâmetros possíveis, levando-as para casa. Ali, os caules foram deixados ao sol para secar. Suas medulas foram extraídas por meio de uma comprida vareta feita do cerne de outra palmeira, e os interiores limpos e polidos com pequenos feixes de raízes de um feto arborescente, puxados e empurrados diversas vezes por dentro dos tubos. Feito isso, cada índ...

A confecção de uma canoa na mata

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"Permaneci no sítio de João Aracu até o dia 19 e, na volta, tornei a ficar ali quatorze dias. O lugar era ideal para coleta de espécimes de história natural. Não havia mato rasteiro obstruindo a floresta, que era cortada em todas as direções por trilhas com vários quilômetros de extensão. Eu não podia empregar meus dois homens ali como caçadores, de forma que, para mantê-los ocupados enquanto José e eu explorávamos a mata, encarreguei-os de construir uma montaria sob a orientação de João Aracu. Primeiramente foi escolhida a árvore apropriada para a confecção do casco da canoa; tratava-se da espécie denominada itaúba-amarela. A árvore foi derrubada, e de seu tronco cortada uma tora de 6 metros de comprimento. Com a ajuda dos empregados do meu hospedeiro, a tora foi arrastada da floresta por uma trilha sobre a qual haviam sido espalhados pedaços de madeira cilíndricos que funcionavam como esferas de rolamento. A distância a percorrer era mais ou menos de 700 metros, sendo as cordas...

Uma linda espécie de Cattleya violacea

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"[...]. Ao passarmos pelo rio Caurés, vi um agrupamento de Cattleya violacea , tive dúvidas de quantas ainda existiriam em nosso caminho na volta. [...]. Havia poucas habitações pelo rio e, à medida que prosseguíamos, notei que a vegetação era quase toda muito semelhante. A alteração na vegetação foi percebida somente nos dois últimos dias quando entramos em um maravilhoso igapó chamado Boca do rio Cuiuni por cima, com grandes árvores nas quais fiz as melhores descobertas de toda a viagem, incluindo uma Oncidium lanceanum . Uma rã enorme, dois escorpiões vermelhos e bandos de formigas frenéticas jorravam de uma simpática Billbergia .  Retornei do rio Cuiuni mais cedo do que pretendia, devido, principalmente, a uma linda espécie de Cattleya violacea que havia encontrado com quatro flores perfeitas. Como não encontrei outras da mesma espécie, acreditei que essa era uma das últimas a florescer e tive medo que não sobrevivesse em seu perfeito estado em tempo suficiente para pintá...

A aprazível cidade de Belém

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A cidade de Belém têm sido, através dos tempos, o primeiro lugar amazônico onde aportam os forasteiros que vêm de todo os recantos do orbe conhecer o vale, pesquisar a ciência, onde arribam tantos cidadãos pelos motivos e interesses mais variados. Essa preferência é marcada pela posição geográfica que ocupa na Amazônia a capital do estado do Pará. [...]. Escala obrigatória para quem entra e sai do vale amazônico, cidade aprazível, povo acolhedor, explica-se, assim, a divulgação, a fama, o conhecimento, que correm mundo nas folhas dos livros de viagens, nas asas do lirismo, nos crayons e nos pincéis da aquarela e do óleo, nas páginas dos naturalistas, nos relatos dos turistas, a respeito da cidade guajarina. [...].  Leandro Tocantins.  O rio comanda a vida . 2 ed. 1961, p. 35-36. Teatro da Paz (Belém-PA), 1939. Aquarela de Georges Wambach (1901-1965) Prefeitura de Belém. Belém, ontem, hoje e sempre.

Vegetação aquática

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"[...], meti-me em uma pequena montaria e fui examinar o igapó que cobre a baixa das terras na frente do engenho. A vegetação aquática aí, é a mesma que encontrei nos lagos de Santarém. Compõe-se de duas espécies de pontederias uma de folhas largas e outra de folhas estreitas: sendo a primeira conhecida no Rio de Janeiro, de uma espécie de utricularia de flores amarelas, de várias nympheaceas , entre elas uma espécie, que estava então em flor e que julgo ser a nymphaea alba . Borda esse igapó, assim como quase toda a margem do Ayayá, a canarana, que é uma gramínea, que cresce quase sobre a água nos lugares baixos, onde as raízes possam tocar o solo, e que substitui o capim d´Angola, do sul. Desta canarana é que são formados quase todas as ilhas que matizam o Amazonas. Assemelha-se à cana crioula, quando nova, e daí o nome de canarana, ou cana-falsa. Serve de abrigo a diversos pássaros aquáticos que nela procuram ocultar-se do caçador, ou mesmo aí acham o seu alimento, como a p...

Um lago de vitórias régias

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"Saí de Tefé às 10 horas da manhã, atravessei a lagoa em duas horas de canoa, e entrei sob as árvores no furo (varadouro) ou canal de Caiçara que liga, em tempos de enchente, o Solimões ao lago de Tefé. A lagoa estava inteiramente imóvel. O sol, em todo seu esplendor, lançava raios de ouro sobre a superfície límpida, cujo tom escuro fazia as vezes do estanho em nossos espelhos. Produzia um reflexo deslumbrante. Tivemos a sorte de encontrar refúgio nas sombras frescas de um igapó (floresta inundada), de lá saindo perto das duas e meia da tarde. No começo as águas são estagnadas, até chegar a um lago de forma oval, atravancado de juncos, nenúfares, ervas e vitórias régias. Ao sair do lago, é preciso enfrentar uma correnteza mais ou menos forte em função do nível das águas que vêm do Solimões. Esse furo é evidentemente testemunho da época longínqua em que o Amazonas aqui se unia ao lago de Tefé, no ponto em que ainda existe o pequeno lago. [...]. Eu tinha comigo apenas um remador, ...

Quando o sol se esconde atrás das árvores

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"O tempo estava agora firme e seco, e o rio baixa rapidamente - seis polegadas em vinte e quatro horas. Nesse recanto remoto e solitário posso dizer que ouvi pela primeira e quase única vez, o tumulto da vida ao por do sol, que Humboldt diz ter assistido nas fontes do Orenoco, mas que é desconhecido nas margens dos outros rios maiores. Os ruídos dos animais começam  logo que o sol se esconde atrás das árvores, depois de tarde abafadiça, deixando o céu tinto de azul intenso. Dois bandos de guaribas, um perto de nossa embarcação, o outro a um oitavo de milha de distância, enchiam as matas de seu horrendo bramido. Bandos de papagaios, incluindo as araras azuis que buscávamos, começaram a passar e os diferentes estilos de guinchos e crocitos faziam terrível desafinação. Juntavam-se a estes ruídos os cantos de estranhas cigarras. Uma grande espécie pousava nos ramos altos das árvores em torno de nossa pequena enseada, fazia o mais estridulo zangarreio: começou com as notas ásperas e ...