A confecção de uma canoa na mata

"Permaneci no sítio de João Aracu até o dia 19 e, na volta, tornei a ficar ali quatorze dias. O lugar era ideal para coleta de espécimes de história natural. Não havia mato rasteiro obstruindo a floresta, que era cortada em todas as direções por trilhas com vários quilômetros de extensão. Eu não podia empregar meus dois homens ali como caçadores, de forma que, para mantê-los ocupados enquanto José e eu explorávamos a mata, encarreguei-os de construir uma montaria sob a orientação de João Aracu. Primeiramente foi escolhida a árvore apropriada para a confecção do casco da canoa; tratava-se da espécie denominada itaúba-amarela. A árvore foi derrubada, e de seu tronco cortada uma tora de 6 metros de comprimento. Com a ajuda dos empregados do meu hospedeiro, a tora foi arrastada da floresta por uma trilha sobre a qual haviam sido espalhados pedaços de madeira cilíndricos que funcionavam como esferas de rolamento. A distância a percorrer era mais ou menos de 700 metros, sendo as cordas  usadas para arrastar o pesado tronco feitas de fortes cipós cortados das árvores das redondezas. essa fase do trabalho gastou cerca de uma semana. Teve início, então, a escavação do tronco, executada com a ajuda de resistentes formões, depois de aberto um talho em toda a extensão da madeira. Terminada a parte mais trabalhosa da obra, restava apenas alargar a abertura, pregar duas tábuas para compor os lados e duas outras, semicirculares, nas extremidades, colocar os bancos e calafetar as junções.
A moldagem do tronco depois de escavado é uma operação delicada, nem sempre realizada com sucesso, acontecendo às vezes estragar-se um bom casco ao rachar ou se expandir de forma irregular. Primeiramente o casco é colocado de borco sobre cavaletes, armando-se uma fogueira embaixo a qual é mantida acesa durante sete ou oito horas; essa operação exige uma atenção permanente, para que não ocorram rachaduras e as tábuas adquiram a curvatura adequada nas duas extremidades. Suportes em forma de um compasso, feitos de madeira resistente e flexível, fendida ao meio, são inseridos na abertura e fixos com cunhas, sendo o espaço abarcado por eles gradativamente modificado à medida que o trabalho progride e de acordo com  a parte da canoa que está em andamento. O casco ficou muito bem feito; levou bastante tempo para esfriar, sendo mantido em forma, nessa fase, por travessões de madeira. Quando ficou pronta a canoa foi lançada à água com grandes manifestações de regozijo da parte dos homens, que içaram lenços conhecidos à guisa de bandeiras e se puseram a remá-la subindo e descendo o rio, para testá-la. Meu pessoal vinha sentindo a falta de uma canoa tanto quanto eu, de forma que aquele dia foi de regozijo geral". Henry Walter Bates (1825-1892). Um naturalista no rio Amazonas. 1979, p. 157. 



Construção de uma montaria
Desenho de E. Riou
J. Creveaux. Voyages dans L´Amèrique du Sud. 1830

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