A Garça
"A Garça. Digo no singular, porque se tu vais de canoa num finzinho de tarde, rente à margem bordada de capim canarana e de repente uma garça alvíssima levanta voo e atravessa maciamente lá para o outro lado do rio, rente à água, um tempão sem bater as asas, cortando com a sua alvura o vento do espaço - eu te garanto que tu paras de remar e ficas deslumbrado com essa coisa mágica e bela da vida da natureza que é um voo de garça solitária.
Agora, imagina um bando de garça voando em formação triangular. Uma na frente, duas atrás, crescendo em número até o fim da multidão que desliza pelo céu do entardecer. Vai o bando na direção da árvore onde gosta de dormir. Peixe pequenino é seu prato predileto. Mas não despreza uma rãzinha, nem gafanhotos. Garça gosta muito de ficar pousada no dorso de um touro, para livrá-lo dos ferrões dos carrapatos.
Uma tarde feita de silêncio, uma garça do rio Andirá me ensinou este poema:
Vento e verão, sol e silêncio,
sinto vontade de cantar.
Nuvens alvíssimas no tempo,
eu não mereço tanta paz.
Na transparência, a garça voa,
asa de luz quer me levar.
No meio fundo, uma canoa
vai contra o vento atravessar
Quem vem na proa é uma criança
que não se cansa de remar.
Garça serena, uma esperança
brilha nas águas do Andirá.
MELLO, Thiago de. Amazonas: águas, pássaros, seres e milagres. Rio de Janeiro: Salamandra, 1998. p. 24. (Coleção Dias Bordados. Memórias do Brasil).
Garças. Pintura de Jessie Arms Botke (1883 -1967) www.pinterest.com |
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