Nesse mudo império vegetal...


"O sol subia, resplandecia no horizonte sem nuvens, faiscando, iluminando a macia paisagem.
Um bando inquieto de ciganas, grasnava entre os galhos das árvores. Adiante, no alto de uma sumaumeira, no meio de casas brancas de cabas, japiins voavam em torno dos ninhos que pendiam como sacolas; e um jacaré monstruoso, tão velho que o limo aderia de vez à córnea armadura, repousava sobre a relva junto ao barranco estirado, flácido, indolente e gozando o calor daquele sol maravilhoso.
Aqui e além surgiam na água parada focinhos caninos de lontras, dorsos de patos selvagens, corpos rebrilhantes de peixes, perfis esguios de marrecas - toda uma forma esperta, esquiva, fugaz, a procurar alimento e a defender-se do mais forte.
Na mata escura havia um sossego profundo, como se todos os seres que a habitavam fugissem de súbito à luz que traspassava a densa folhagem.
Tudo debandava à claridade do dia, e apenas um grupo esvoaçante de borboletas rodopiava numa clareira de restinga.
A floresta parecia tomada de fundo letargo sem rumores, sem ruídos de passos, sem vozes, sem um sussurro de asa a galhada infinita, numa desolação de necrópole, adornada de verde, um verde absoluto e fatigante, que se estendia no matupá, rolava na relva, subia nos ramos, ondulava por toda parte, num desmedido, interminável domínio.
Nesse mudo império vegetal somente os frutos escarlates das mungubeiras, suspensos nos galhos desfolhados ou alguma orquídea de singulares coloridos enfeitando velhos troncos, ou as flores roxas dos mururés, quebravam alegremente a imensa monotonia". Aurélio Pinheiro (1882-1938). À margem do Amazonas. 1937, p. 122-123.



Oncidium gardneri
Orchid Album. 1882
www.biodeversitylibrary.org

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