A Amazônia que eu vi: Monte Alegre e Ereré


"Acompanhando todo o lado do norte do sopé da serra do Ereré, corre uma zona de terrenos baixos, pantanosos, atoladiços e cheios de nascentes de água, que pelo menos do lado de leste, escoam-se por um córrego, que vai ter ao igarapé do Ereré. Nessa zona cresce uma linda floresta e conheço poucos lugares mais pitorescos do que as fontes do Ereré ou os palmeirais de Urucuri, que tem aspecto de templo e ficam a oeste da vila. Faz-me virem à lembrança, como se fosse ainda ontem, os deliciosos banhos frios nessas fontes depois de muito andar e com extremo calor, por sobre os campos, ou depois de ter levado o dia todo a lutar com o entrançado Curuá dentro da bacia de areia por baixo de uma grande palmeira, com seu bojudo e espinhoso tronco, e com a esplêndida copa, cuja folhas, em forma de estrelas, se destacam pretas de encontro ao céu no por do sol; as palmeiras sentinelas com os troncos cobertos de uma multidão de fetos e as grandes folhas ligeiramente balançando-se ao sopro da deliciosa brisa; os lindos phoenacospermuns  e as luxuriantes heliconias com suas flores cor de laranja; a palmeira estrangulada no briareico abraço do Apuí que ergue a verde folhagem de seu tope por cima da emurchescida e mirrada coroa; a jarra quebrada e as cabaças por baixo da ribanceira coberta de fetos e de lycopodiuns e nas sombras da noite, que se vai fechando, vagueio pelo caminho abaixo, através da mata passando pelos cercadinhos em que as raízes de mandioca estão n´água amolecendo, e por entre as palmeiras, em que ouve-se o agudíssimo canto das cigarras, chego até a fonte de baixo, na qual um rancho de risonhas e jovens índias, com as compridas e pretas tranças ainda molhadas do banho, estão enchendo as jarras, enquanto as crianças nuas estão na água folgando, e então com o sentimento de repouso e satisfação depois de um dia de calor, vou caminhando para casa, ao repicar do sino da capela tocando a Ave Maria, e com o vivo clarão do por do sol iluminando o cume da serra, os despenhadeiros e os largos campos". Charles Frederick Hartt (1840-1878). Trabalhos restantes ineditos da Commisão Geologica do Brasil (1875-1878) relativos à geologia e geographia physica do Baixo-Amazonas: Monte Alegre e Ereré. Boletim do Museu Paraense de Historia Natural e Ethnographia, Belém, t.2, fasc. 1-4, p. 328-329, 1898.


Heliconia rostrata.
Aquarela de Maria Werneck de Castro (1905-2000).
 Natureza viva -  memórias, carreira e obra de uma pioneira do desenho científico no Brasil. 2004.

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