Quando nos altos rios eu viajo...


"Quando nos altos rios viajo quer nos "vaticanos", quer nas chatinhas, que são quase uma miniatura destes, quer nos pequenos barcos motor, sou sempre dos que primeiro saltam da rede. E a claridade indecisa da madrugada vejo desenhar-se a paisagem difusa, criar relevo, destacarem-se os troncos esbranquiçados, recortar-se no cinza-azulado do céu, a copa florida da gigantesca sumaumeira, com a mesma sensação que o jogador viciado "fila" as cartas que recebeu. E antes do chuveiro revigorante, e do confortador café, encho os pulmões com o ar fresco e embalsamado da floresta, de pijama aberto, oferecendo o peito nu à carícia fresca da brisa, provocada pelo deslocamento do barco. Se é na vazante, vemos passar os bandos de marrecas, e contamos os casais de patos e araras barulhentas que cruzam alto refletindo no encarnado de suas penas, os raios do sol ainda baixo no oriente. Ficamos enlevados, com o debrum de arminho que as garças ainda nos pousos, estendem pelas bordas dos rios. E é um colar de alvura, vivo, trepidante, com o bater de asas e a "toilette" das penas, antes de descerem para as comedias.
Se é na enchente, as águas galgam os barrancos, afogando a mata. Deslizam os grandes madeiros, colossais árvores inteiras, cujas dimensões podemos calcular pelo raizame e parte do tronco que emerge. De bubuia, vão também as enormes ilhas de canaranas e camalotes, os periantãs dos índios povoados de cobras, jacarés, sapos-untanhas enormes, garças e jaburus, todos em boa camaradagem, tal como a que deveria reinar na arca de Noé...". Francisco de Barros Junior. Caçando e pescando por todo o Brasil. 4a. série s.d. p. 249-250.
 
 
 
Marrecas
Augusto Ruschi. Aves do Brasil. v. 2, 1986.
Ilustrações de Etienne e Yvone Demonte.


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