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Mostrando postagens de maio, 2019

A Garça

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"A Garça. Digo no singular, porque se tu vais de canoa num finzinho de tarde, rente à margem bordada de capim canarana e de repente uma garça alvíssima levanta voo e atravessa maciamente lá para o outro lado do rio, rente à água, um tempão sem bater as asas, cortando com a sua alvura o vento do espaço - eu te garanto que tu paras de remar e ficas deslumbrado com essa coisa mágica e bela da vida da natureza que é um voo de garça solitária. Agora, imagina um bando de garça voando em formação triangular. Uma na frente, duas atrás, crescendo em número até o fim da multidão que desliza pelo céu do entardecer. Vai o bando na direção da árvore onde gosta de dormir. Peixe pequenino é seu prato predileto. Mas não despreza uma rãzinha, nem gafanhotos. Garça gosta muito de ficar pousada no dorso de um touro, para livrá-lo dos ferrões dos carrapatos. Uma tarde feita de silêncio, uma garça do rio Andirá me ensinou este poema: Vento e verão, sol e silêncio, sinto vontade de cantar.

Caferana (Tachia guyanensis) e seus poderes medicinais

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"A nossa estada em Ega e Nogueira capacitou-nos, dia a dia mais vivamente, de que aqui, por assim dizer no centro do Brasil, existia para colher muito material importante para etnografia e história natural, e, disso nasceu o desejo de aproveitar a rara oportunidade mais eficientemente, pela divisão em duas direções. Resolveu-se a separação, e o Dr. Spix tomou a seu cargo a excursão pelo Alto Solimões até a fronteira do Brasil, enquanto eu me decidi a subir o Japurá, diante de cuja foz estávamos. Mais uma razão para isso achamos na alteração da nossa saúde, que esperávamos talvez ainda conservar com a pronta mudança de clima. O meu companheiro, especialmente, já desde muito tempo, andava constantemente sofrendo acessos de febre intermitente, que ele só conseguia aliviar com doses de quina e outros amargos, especialmente a raiz da Tachia guyanenis (caferana). [...]". J. B. von Spix (1781-1826); C. F. von Martius (1794-1868). Viagem pelo Brasil 1817-1820 . v. 3, p. 185, 1981

Suntuosas Victorias-Regias

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"O lago enorme parecia ter segredos que procurava esconder aos olhos humanos. Uma grande moita de arbustos ocultava a entrada de um furo estreito a correr serpenteante entre galhos e cipós. Depois aparecia outro lago pequenino e sombreado, onde mal penetravam as réstias da luz, e onde havia um silêncio maior, mais amplo, mais profundo - um abafado silêncio de templo ao abandono. As árvores marginais, elevadas e vetustas, estendiam densa penumbra, que dava à água represa um tom luzente e negro. E sobre a água, na religiosa mudez do recanto, na tristeza dos ramos curvados, na misteriosa quietude da mata - flutuavam grandes folhas circulares, e surgiam, no esplendor e na doçura das pétalas brancas, suntuosas victorias-régias. [...]". Aurélio Pinh eiro (1882-1938). À margem do Amazonas . 1937, p. 123-124.  Victoria Regia  Curtis's Botanical Magazine, vol. 73, January 1847

"Uma linda pena rósea brotando dos lagos"

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"Foi então que vi pela primeira vez a Mourera fluviatilis , que na feliz comparação de Huber, dir-se-ia, quando em flor, como agora, "uma linda pena rósea brotando dos lagos". [...]. A Mourera, que é frequente na vizinhança das corredeiras e outras águas batidas, chamam aqui de uapé das cachoeiras. Embora com folhas enormes e de um verde bem vivo, nada se vê da sua planta, que vive inteiramente submersa e, assim, ainda se torna mais notável esse pendão que misteriosamente irrompe das águas para esplender ao sol as miudinhas e cetinosas flores róseas". Gastão Cruls (1888-1959). A Amazônia que eu vi. 1930, p. 246-247. Uapé-das-cachoeiras ( Mourera fluviatilis ) Gastão Cruls. Hiléia amazônica . 2003. Ilustração de Armando Pacheco, a partir de uma cromolitogravura inserta em trabalho de Jacques Huber.

As flores da jeniparana

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"Positivamente, são do Sampaio as principais descobertas deste acampamento. Ainda hoje, os seus olhos de naturalista, que tudo vêm, lobrigaram algumas esplêndidas flores, numa árvore que fica bem atrás das nossas barracas. E ninguém as havia percebido! São flores da jeniparana daqui: uma Gustavia , esclarece-nos o botânico. Fizeram a admiração de todos e tiveram honras de uma filmagem. Bem a  mereciam. Da sua corola, de centro amarelo e oito grandes petalos de um suave colorido róseo, evolava-se tão inebriante perfume que, mesmo quando já às nossas mãos, ainda à sua volta se adoidavam enormes vespas mangangá. Algumas delas, mais ousadas e ávidas do seu néctar, penetravam-lhes mesmo pela fauce a dentro e de lá saiam com as asas carregadas de pólen". Gastão Cruls (1888-1959). A Amazônia  que eu vi. 1930, p. 77. Jeniparana. Gustavia augusta . Curtis´s Botanical Magazine, v. 84, t. 5069, 1858. Desenho de W. H. Fitch. www.plantillustrations.org

A palmeira jacitara e sua trama defensora

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"[...]. Pelas margens desertas, onde árvores e arbustos lançavam recortes bizarros de sombras, erguiam-se fustes lisos de pau-mulato, caules delgados de araçaranas, hastes alvacentas de embaúbas, colunas cinzentas de palmeiras inumeráveis rompendo a ramaria; e por toda parte, desde o alto das comas aos ramúsculos das ervas, os cipós distendiam a cordoalha retorcida constringindo estirpes rudes, rastejando na terra, suspensos em curva largas, pendentes como varais, às vezes grossos como punhos de homens, às vezes semelhando filamentos, ainda tenros, frágeis, quebradiços procurando pontos de apoio.  Todos eles, - o cipó-tuyra, o camaleão, o espera-aí, o unha-de-gato, a jacitara, tantos outros desse gênero incalculável de sarmentosas, crivados de acúleos ou cortantes como gumes afiados, formavam uma bárbara trama defensora, cingindo, envolvendo toda a floresta. [...]". Aurélio Pinheiro (1882-1938). À margem do Amazonas . São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p. 121