O crepúsculo da tarde na floresta


"Crepúsculo da tarde.
Há um recolhimento religioso em toda a natureza.
O sol se esconde, entre nuvens de ouro.
As águas que rolam na correnteza não têm mais a cor de barro.
Sob os reflexos do fim da tarde, tomaram uns tons que, maravilhosamente, semelham prata velha.
O rio parece um imensurável espelho, que transmuda, de instante a instante, em nuances multiformes e policrômicas, as suas escamas e maretas...
Pelos ares, marrecas e periquitos, em algazarra, aos bandos.
A mataria, nas beiras, tem os cimos das suas copas douradas.
Vem da floresta um rumorejar surdo que mais aumenta agora, para daqui a instantes, diminuir de intensidade.
O gralhar mais agudo de algum pássaro em luta zarpeia os espaços e responde, muito distante, no eco sonoro.
Em seguida logo a solidão que, como um sudário, envolve a grande paisagem do sol morto.
A semi-penumbra desfaz-se a pouco e pouco, sem a gente aperceber-se.
Tudo está envolto em sombras.
Já não mais se descobrem as árvores grandiosas.
As margens, fortes muralhas negras.
No firmamento -  que é uma grande mancha sem cor - surgem trêmulas estrelas, medrosamente, a cintilar...
A noite envolveu, inteiramente, a selva e as águas.
Tudo é negro. Colossalmente negro.
O rio canta as suas endeixas misteriosas, refletindo as estrelas do céu.
Cai-nos dentro da alma uma melancolia profunda. É um cismar que não mais se finda.
A mata semelha um duende, de formas gigantescas, que quisesse deglutir, faminto, o pequeno navio.
Vão na alma uns arrepios que falam ao coração.
O espírito voeja.
As lendas amazônicas - misteriosas, fantásticas - tomam vulto, criam formas.
Vai um perpassar, ininterrupto, de mães-d´água,  de cobras com figurações de mocetões vistosos, das iaras que nos parecem atrair, dos navios fingidos pela boiuna, dos saci-pereres, dos botos, dos jabutis...
O rumor do rio completa a fantasia.
A canção das águas é uma canção infinitamente dolorosa...".

FONTE: 

MENEZES, Raimundo de. Nas ribas do rio-mar. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, 1928, p. 172-174.



C. Fr. von Martius.  Historia Naturalis Palmarum, 1823-1850

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