O tucano "Flor da Mata"

"É de justiça que eu comece pelo Flor da Mata, nome do tucano que mora no quintal aqui de casa. De manhãzinha, quando acordo (ainda na cama, que se fez da altura do parapeito da larga janela, para que dela, mesmo deitado, a gente possa ver o rio), dou com ele me espiando do alto da goiabeira, seu lugar preferido.

Flor da Mata anda pelo quintal todo, aos pulos. Mas vez por outra surge no salão de visitas (é assim que aqui se chama sala de estar) e pula para cima da mesa. Ele é delicado, mas não gosta de intimidades. Impõe respeito. Ninguém implica com ele. [...]. Pelo contrário, se alguém se mete a enxerido, Flor da Mata avisa com o peito roliço dourado que não está de brincadeira. A verdade é que ele é de boa índole, seu coraçãozinho se inclina para a paz.

Arroz, manga, banana e melancia não lhe faltam. Gosta de tomar o seu banho no tanquezinho especial, bem raso e rente ao chão. Não gosta é de pipiras assanhadas, que lhe vêm pousar na borda da cuia de comer, pendurada num galho da goiabeira. Mas se ele se afasta, não se importa que elas completem o banquete. 

Quando eu o chamo, ele se volta, me olha demorado, mas não conversa comigo. Só para a Aparecida é que ele conta como vai de vida, quando ela o chama suave, entonando o seu nome com uma certa melodia que ele aprendeu a amar. A fala dele é cheia de erres, que se prolongam num crescendo agudo.

O sinal mais bonito de que Flor da Mata gosta mesmo aqui de casa é que nem se comove quando passa, por cima das altas mangueiras, um bando de seus irmãos cantando em alarido". Thiago de Mello. Amazonas: água, pássaros, seres e milagres do pedaço mais verde do planeta. 1998, p. 20-22.

Tucano. Ramphastos vitellinus
John Gould (1804-1881). A monograph of The Ramphastidae or family of toucans.  1992